22.3.06

Apontamento

«O título do livro é Porto- O Sentimento da História e é um prazer para os olhos e para a alma. As fotos, muitas saídas da sua visão de emérito observador, são um portento de detalhes – e só quem olha os detalhes do Porto pode sentir o quanto esta cidade onde nasci, é única. E porque Helder Pacheco olha para trás neste livro, eu não pude deixar de notar- por contraste- o quanto me doi uma fatia da beleza do centro estar a ser destruída, apesar dos protestos, ali mesmo à saída do Rivoli, voltando à direita, na Avenida dos Aliados. »
Beatriz Pacheco Pereira na sua crónica d'O primeiro de Janeiro (21 de Março 2006)

De B.P.P. sobre a demolição da Avenida dos Aliados e da Praça da Liberdade ler também
"Todos pela Avenida dos Aliados" (7.7.05)
BeatrizPacheco Pereira (22.10.05)
Avenida dos Aliados- pobre de ti… (24.10.05)
Nostalgia na Avenida dos Aliados (31.10.05)

( ALIADOS- OPINIÃO )

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Três mestres à moda do Porto
por Beatriz Pacheco Pereira*

O corpo do Porto de antigamente mostra-se cada vez menos. Felizmente, a gente do Porto mostra-se cada vez mais.

Quando me pedem um artigo positivo sobre o Porto, interrogo-me primeiro quanto ao que ando a fazer.
Será que, ao reparar no que está mal, ou menos bem, na minha cidade, eu não estou a ser positiva? O meu lado interventivo tem momentos de pessimismo mas não é, decerto, o desamor que me move.

Assim, aconteceu que, no jantar mensal da Confraria das Tripas, a oradora convidada, nem mais nem menos do que a Dra Nassalete Miranda, directora deste jornal, me lançou, ali mesmo, alto e bom som, um “faz um artigo positivo sobre o Porto”. Encolhi-me e aqui estou, tarde e más horas, mas estou. A Dra Nassalete diz e eu obedeço. Pronto. Ela é uma das poucas mulheres do Porto que manda e manda bem. Sua humilde servidora, aqui estou.

E o que há de positivo recentemente? Na paisagem, muito pouco. Apenas as garças cinzentas na foz do Douro. Nas ruas, menos ainda. Mais umas casas antigas a serem transformadas em blocos de apartamentos.

Mas por outro lado, há a gente. Gente. Muita gente à moda do Porto. Gente de qualidade, de personalidade, frontal e única.

Aqui ficam três nomes apenas. E não é por falar num em primeiro lugar que ele é mais importante. Apenas uma questão de ordem. Pela ordem inversa do textinho que lhes dedico - Hélio Loureiro, Helder Pacheco, Manoel de Oliveira.


Comecemos pelo primeiro. Manoel de Oliveira foi homenageado no meu Fantasporto e comigo no palco, imaginem. Foi um momento de grande emoção. E não foi só porque o veterano realizador é do Porto e era o Porto que o aclamava. Não foi só porque ele representa o que de melhor tem o cinema português com a sua personalidade inconfundível. Ou porque a sua carreira internacional não tem paralelo por cá, ou porque tinha acabado de rodar em Paris, bem cedinho, as últimas imagens do seu mais recente filme e ali estava no Rivoli, pontualmente às 21h, a desfiar intervenções para as rádios e para as televisões.
O que me comoveu foi também estar, ali na primeira fila da plateia, a olhar para mim, um realizador de tal modo marcante na minha época, e com obra de tal modo importante que os seus olhos sobre mim me fizeram sentir importante também. Foi o recordar dos seus filmes que me levaram à comoção do que disse, e foi especialmente tocante - ele usou depois esta palavra, “tocante”, quando falou à televisão sobre a nossa pequena homenagem no Fantasporto…- foi tocante, dizia, ouvi-lo pedir-me o texto do que eu dissera, e que fora na grande maioria improvisado. Por isso, porque fui entretanto escrever, não vi o seu “Espelho Mágico” na totalidade, a alma a tentar recordar o que se passara no palco e o texto a não querer passar, exactamente, para o papel. Quando se fala com o coração, as palavras saem depressa de mais. No fim, lá entreguei um arremedo do que tinha dito, mas a emoção, tal como a sentira antes, não estava lá. De qualquer modo, obrigado, Manoel de Oliveira. Para mim, foi um momento inesquecível.


Durante o Fantasporto chegaram-me dois livros às mãos. Um, atrasado, mas cuja leitura completei na semana de rescaldo depois do festival, é do meu mestre, Helder Pacheco. Mestre, não porque sabe muito. Sabe. Mas há outras pessoas a saberem muito mas que falam sempre na perspectiva do historiador frio e factual. Helder Pacheco é meu mestre porque destila afectividade quando fala da sua cidade, mesmo quando não pode deixar de ser nostálgico sobre o que já desapareceu. Comungo das suas preocupações e do seu interesse. E interrogo-me, se quem deve já olhou com olhos de ver para o que este professor da História da cidade diz do alto da sua cátedra.
O título do livro é “Porto- O Sentimento da História” e é um prazer para os olhos e para a alma. As fotos, muitas saídas da sua visão de emérito observador, são um portento de detalhes – e só quem olha os detalhes do Porto pode sentir o quanto esta cidade onde nasci, é única. E porque Helder Pacheco olha para trás neste livro, eu não pude deixar de notar- por contraste- o quanto me doi uma fatia da beleza do centro estar a ser destruída, apesar dos protestos, ali mesmo à saída do Rivoli, voltando à direita, na Avenida dos Aliados.

O outro livro que motiva a crónica, é recentíssimo e tem com o anterior em comum, o nome do prefaciador. O texto (de antologia) de Helder Pacheco sobre a arte de bem comer, aliada aos mais belos locais da cidade e aos sentimentos do amor e da cumplicidade, só enobrecem o livro, todo ele quente de sabores e de afectos. O título é “Receitas com Tradição” de Hélio Loureiro e Adozinda Gonçalves.
Porque falo deste livro? Porque as imagens e o texto das receitas espevitam os apetites- todos, os simples e os requintados. Porque nos pequenos comentários às receitas, se abre a generosidade deste homem - conheço-o melhor a ele do que a ela, mas decerto Adozinda é também uma mulher de armas afinadas... Falo deste livro sobretudo porque os conhecimentos deste mestre das artes gastronómicas, cuja personalidade anima as páginas de sabores, são misturados, qual molho requintado, com eventos relacionados com os pratos. “Este prato vi-o fazer à Sra Dona…, esta receita veio dali…. Este prato lembra-me ….Este, sirvo-o em minha casa aos meus amigos…”
Temos assim, receitas em contexto, tirando-lhe o lado de composição química em porções racionalmente estudadas, humanizando-as. E para, depois, as podermos experimentar e dizer- esta receita foi a mesma que serviu a rainha da Holanda, ou a selecção portuguesa de futebol, ou....
Ao longo das páginas, o livro toca muita gente, seja por causa de uma toalha, seja ao falar de um recipiente em prata, de um vinho escolhido a preceito. Gente que gira à sua volta, como amiga ou como admiradora. Como eu. Conheci recentemente o Hélio Loureiro na Confraria das Tripas e, com ele, tenho descoberto um outro lado da cultura portuguesa, o que se saboreia. O que me levou a alcançar um outro patamar nos meus dotes de cozinheira, que não são muitos, admito. Compreendi também porque Hélio é tão estimado na cidade- por causa da amizade com que ele envolve o mundo.

Falei de três Mestres da cidade. Dos que combinam o seu Saber com a Qualidade da Expressão, seja ela em imagens, em textos ou em sabores.

A minha homenagem fica aqui, simples e directa, novamente à moda do Porto. Porque a cidade é rica por causa de gente assim. Querem mais positivo do que isto?


*bpachecop@hotmail.com

24/7/06 20:05  

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