Opinião # 10- "Do preto e branco romântico ao cinzentismo tecnocrático"
por José Cavalheiro -professor da FEUP
«Avenida dos Aliados – O declínio da democracia representativa (08.07.05)
Decidiu a Câmara do Porto virar ao contrário o cavalo de D. Pedro IV, esse rei generoso que nos deixou o coração, defensor de ideias avançadas e que, como pude verificar recentemente, era também um excelente compositor de música clássica.
Pois essa reviravolta do cavalo irá custar, por si só, ao que me dizem, umas dezenas de milhares de contos. Mas se tal bizarra ideia seria já suficiente para espantar o animal, tudo o que se pretende mudar à sua volta causa ainda mais perplexidade: a Câmara pretende nada mais nada menos que arrasar os jardins existentes na Avenida dos Aliados, arrancar a calçada de calcário e prosseguir na obra de desertificação minimalista que já vitimaram a Cordoaria e a Praça dos Leões.
O Porto romântico dos jardinzinhos, dos poucos bancos onde o cidadão podia fazer uma pausa, das calçadas de pedra branca, dá lugar a um universo ainda mais cinzento, onde o escuro do granito das fachadas se espalha agora pelo chão.
As cidades não podem ser apenas locais onde se vive e trabalha. Têm de constituir referenciais de memória dos seus habitantes, elos de união que permitam suprir a cidadania anónima num mundo global.
Locais como a Praça da Liberdade são para o Porto muito mais do que um local de passagem, uma encruzilhada dos caminhos da cidade. A Praça e a Avenida são os locais simbólicos, onde tudo que faz história acontece: aí se comemoram vitórias, datas especiais, mas também onde se protesta e contesta, quando as coisas não correm bem.
Mexer na Praça é pois mexer antes do mais no sistema nervoso da cidade. E depois a Praça é também um cartão de visita, o marco identitário de todos os portuenses. Não perceber isto é estar no Porto sem o perceber, é reduzir a alguns metros quadrados de pavimento toda uma outra dimensão que se sobrepõe em camadas difusas dessa coisa que todos, (não todos afinal), sentimos quando dizemos que somos do Porto.
Afinal quem decidiu tudo isto? Onde se disse antes que a Praça e a Avenida estavam mal, que precisavam de ser mudados? Onde se disse que queríamos esquecer a nossa história? Onde se disse que havia uma prioridade, a Praça, para gastar os parcos dinheiros públicos?
Na reunião promovida por várias associações (Campo Aberto, Olho Vivo, Gaia, April, Quercus e ARPPA) ficou bem claro que foram violados vários preceitos elementares, que se omitiu a consulta pública e que se fez adjudicação directa da obra, tendo sido violado o que se preconizava no estudo de impacto ambiental e era afinal do mais elementar senso comum: a empresa do Metro deveria repor no fim da obra os jardins e as calçadas que tinha levantado.
Uma Assembleia Municipal onde cabem meia dúzia de cidadãos, uma representação eleita que sobrepõe a sua lógica geopolítica à auscultação da cidade, são indícios preocupantes do declínio da nossa democracia representativa
Perante uma atitude autista, insensata e atentatória da memória e do carácter da cidade, propus na reunião já referida que se organizasse uma mini intifada simbólica*, onde cada cidadão arrancasse algumas das pedras cinzentas que já invadem o local.
Reitero aqui a minha proposta, endereçando-a às Associações que atrás referi. Organize-se o arrancamento das pedras que serão guardadas por cada um e proponha-se à Direcção da Câmara uma troca de reféns: devolveremos as pedras cinzentas, para que se usem noutro local, quando a Câmara nos devolver as NOSSAS pedras brancas. Se a Câmara concordar, a cerimónia poderá ter lugar a meio da Avenida com o protocolo adequado a estes actos...
É preciso e urgente que os cidadãos do Porto deixem se ser os meros espectadores/consumidores para voltarem a ser a voz da cidade.
Afinal o Porto é ou não a NOSSA cidade?»
(Comentário: algumas das pessoas -representantes das Associações acima referidas- e o próprio autor deste texto chegaram à conclusão que, dado o "nosso" nível de civilidade e como pior que pedra na mão só mesmo o volante para revelar a agressividade recalcada, esta mini-intifada apesar de simbólica poderia rapidamente descambar para o torto com arremesso dos calhaus da discórdia; consequentemente as pedras cinzentas e as brancas deverão ser substituídas por espuma "grise" e esferovite "blanche" na tal cerimónia simbólica que eventualmente se realizará em data ainda a anunciar.)
«Avenida dos Aliados – O declínio da democracia representativa (08.07.05)
Decidiu a Câmara do Porto virar ao contrário o cavalo de D. Pedro IV, esse rei generoso que nos deixou o coração, defensor de ideias avançadas e que, como pude verificar recentemente, era também um excelente compositor de música clássica.
Pois essa reviravolta do cavalo irá custar, por si só, ao que me dizem, umas dezenas de milhares de contos. Mas se tal bizarra ideia seria já suficiente para espantar o animal, tudo o que se pretende mudar à sua volta causa ainda mais perplexidade: a Câmara pretende nada mais nada menos que arrasar os jardins existentes na Avenida dos Aliados, arrancar a calçada de calcário e prosseguir na obra de desertificação minimalista que já vitimaram a Cordoaria e a Praça dos Leões.
O Porto romântico dos jardinzinhos, dos poucos bancos onde o cidadão podia fazer uma pausa, das calçadas de pedra branca, dá lugar a um universo ainda mais cinzento, onde o escuro do granito das fachadas se espalha agora pelo chão.
As cidades não podem ser apenas locais onde se vive e trabalha. Têm de constituir referenciais de memória dos seus habitantes, elos de união que permitam suprir a cidadania anónima num mundo global.
Locais como a Praça da Liberdade são para o Porto muito mais do que um local de passagem, uma encruzilhada dos caminhos da cidade. A Praça e a Avenida são os locais simbólicos, onde tudo que faz história acontece: aí se comemoram vitórias, datas especiais, mas também onde se protesta e contesta, quando as coisas não correm bem.
Mexer na Praça é pois mexer antes do mais no sistema nervoso da cidade. E depois a Praça é também um cartão de visita, o marco identitário de todos os portuenses. Não perceber isto é estar no Porto sem o perceber, é reduzir a alguns metros quadrados de pavimento toda uma outra dimensão que se sobrepõe em camadas difusas dessa coisa que todos, (não todos afinal), sentimos quando dizemos que somos do Porto.
Afinal quem decidiu tudo isto? Onde se disse antes que a Praça e a Avenida estavam mal, que precisavam de ser mudados? Onde se disse que queríamos esquecer a nossa história? Onde se disse que havia uma prioridade, a Praça, para gastar os parcos dinheiros públicos?
Na reunião promovida por várias associações (Campo Aberto, Olho Vivo, Gaia, April, Quercus e ARPPA) ficou bem claro que foram violados vários preceitos elementares, que se omitiu a consulta pública e que se fez adjudicação directa da obra, tendo sido violado o que se preconizava no estudo de impacto ambiental e era afinal do mais elementar senso comum: a empresa do Metro deveria repor no fim da obra os jardins e as calçadas que tinha levantado.
Uma Assembleia Municipal onde cabem meia dúzia de cidadãos, uma representação eleita que sobrepõe a sua lógica geopolítica à auscultação da cidade, são indícios preocupantes do declínio da nossa democracia representativa
Perante uma atitude autista, insensata e atentatória da memória e do carácter da cidade, propus na reunião já referida que se organizasse uma mini intifada simbólica*, onde cada cidadão arrancasse algumas das pedras cinzentas que já invadem o local.
Reitero aqui a minha proposta, endereçando-a às Associações que atrás referi. Organize-se o arrancamento das pedras que serão guardadas por cada um e proponha-se à Direcção da Câmara uma troca de reféns: devolveremos as pedras cinzentas, para que se usem noutro local, quando a Câmara nos devolver as NOSSAS pedras brancas. Se a Câmara concordar, a cerimónia poderá ter lugar a meio da Avenida com o protocolo adequado a estes actos...
É preciso e urgente que os cidadãos do Porto deixem se ser os meros espectadores/consumidores para voltarem a ser a voz da cidade.
Afinal o Porto é ou não a NOSSA cidade?»
(Comentário: algumas das pessoas -representantes das Associações acima referidas- e o próprio autor deste texto chegaram à conclusão que, dado o "nosso" nível de civilidade e como pior que pedra na mão só mesmo o volante para revelar a agressividade recalcada, esta mini-intifada apesar de simbólica poderia rapidamente descambar para o torto com arremesso dos calhaus da discórdia; consequentemente as pedras cinzentas e as brancas deverão ser substituídas por espuma "grise" e esferovite "blanche" na tal cerimónia simbólica que eventualmente se realizará em data ainda a anunciar.)
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