26.7.06

Simplex e rapidex

Faz amanhã (27 de Julho) um ano que a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura acolheu a petição por nós enviada para a Assembleia da República.
(Pode ler-se aqui a carta que acompanhou o envio das assinaturas)
Lembram-se a seguir os passos mais importantes de todo o processo:

Entretanto, graças a um documento oficial- datado de 5 de Julho e assinado pelo deputado António José Seguro presidente da referida Comissão Parlamentar- acompanhado por cópias de documentos da IGAT e ofícios emanados dos Gabinetes do Secretário de Estado Adjunto e da Admnistração Local e do Ministro dos Assuntos Parlamentares, ficamos agora ao par de pelo menos alguns dos passos burocráticos que se seguiram, nomeadamente:

  • 20 de Fevereiro 2006 - documento da IGAT relativo ao processo nº 131.2000- 2/2006, de que se transcreve os seguintes pontos: «1- Por ofício do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Adninstração Local, entrado e registado nestes serviços em 16. 2. 06, sob o ofício nº 1331, é transmititida à IGAT, para efeitos tidos por convenientes, fotocópia do ofício nº702-MAP, de 6.2.06, com anexos do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. .... 2- Da análise dos documentos enviados, nomeadamente do Relatório Final elaborado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República, retira-se numa perspectiva tutelar e em síntese, o seguinte (...) .....3- Nos processos administrativos da IGAT nada consta sobre a matéria em questão. Parece-nos, no entanto, inteiramente redundante proceder às habituais diligências instrutórias, dado a tramitação precedentemente referida, a relevância de que esta se reveste (vd. artº 181º da CRP) e os resultados a que chegou, devendo a IAGAT (...), proceder de imediato à intervenção que lhe é solicitada no âmbito da competência que lhe é conferida por lei (...)»
  • 23 de Fevereiro - documento da IGAT endereçado à Subinspectora Geral e assinado "P'a Chefe da Secção de Processos" sugerindo a «realização de um inquérito(...) »
  • 02 de Março 2006- Despacho do Inspector Geral da IGAT -recomendando que «se proceda à realização de um inquérito urgente à Câmara Municipal do Porto, para verificação dos actos e contractos em causa. à consideração de Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.»
  • 8 de Março de 2006- Ofício emanado da IGAT (em resposta a comunicação de 6 de Fevereiro) endereçado ao Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Admnistração Local acompanhado de cópia de despacho anterior.
  • 15 de Março - Ofício (nº 758) do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Admnistração Local (com carimbo de urgente) endereçado à Chefe do Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares dando conhecimento do anterior.
  • 16 de Maio- Ofício do Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares endereçado ao Presidente da 8ª Comissão com cópia do ofício anterior e anexos.
  • 9 de Junho- Novo documento oficial, aditamento ao ofício (nº 758) de 15 de Março, comunicando «ter sido exarado o seguinte despacho: "Concordo. Proceda-se com urgência à realização do inquérito proposto pelo Sr. Inspector- Geral. 10-3-2006 /Ass.: Eduardo Cabrita"».
  • 5 de Julho - o já referido ofício do Presidente da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura.

( a arquivar em- Resultado do envio das assinaturas para a Assembleia da República )

20.7.06

Opinião # 40- "A alma da Invicta"

Por Helder Pacheco no Jornal de Notícias
« (...)
Esta é uma verificação, porventura cruel, para um portuense nascido e criado no Monte da Lapa, que, no regresso ao Burgo, encontra o panorama que há longos anos foi sendo construído numa cidade onde as políticas de reabilitação urbana (física, social e económica) foram sendo proteladas. Ou, quando não, desvirtuadas, como também faz notar a continuação do depoimento "Então aquela Praça dos Leões, insípida, impessoal, onde o verde do jardim deu lugar ao cinzento cada vez mais pardo. Os grandes armazéns fechados, o deserto de gente, a austeridade do granito e principalmente o aterrador silêncio, fez-me ter medo da minha cidade. Onde está a alma da Invicta?"

Estas palavras só não batem como punhos na consciência de muitos responsáveis por sucessivas intervenções nos espaços públicos porque continua a haver quem considere que tais espaços são para fazer deles gato-sapato em nome das modernizações e da rejeição do provincianismo.

Quando, há tempos, ouvi dizer que
"cada época tinha o direito de acrescentar a sua marca aos espaços públicos portuenses", comparei logo as praças dos Leões, Parada Leitão, Relação, Poveiros, Batalha, etc. * com as Plazas Mayores de Madrid e Salamanca, a Place des Voges, em Paris, a Grand Place, de Bruxelas e muitas outras - onde podem ser feitas obras de beneficiação, mas ninguém tem a arrogância de a modificar a seu bel-prazer.

Todavia, no grito ou no sentimento deste leitor, o mais doloroso ainda estava para vir, ao dizer amargas palavras
"Eram 8.30 horas da manhã... Onde estavam as pessoas, os pregões, as vendedeiras no Anjo, o chiar dos eléctricos,, o bulício da cidade (que já foi do trabalho), os caixeiros a lavar as frontarias com os paus de guardas no passeio? Onde estão os cheiros e os sons do meu Porto? Onde anda a alegria de viver dos portuenses? Como dizia Vasco de Lima Couto (mais um poeta esquecido):
- Que povo é este, que povo?"

Esta ligação ao carácter, não apenas urbano, mas sobretudo humano do Burgo tripeiro, tem o condão de nos alertar para algumas questões insofismáveis. A primeira é que nela perpassa - como em outras - a sensação de perda sem retorno por quem se viu obrigado a abandonar o seu espaço vital. A segunda é que, para quem agora vem à cidade como visitante chegado de um país estrangeiro, a observação dos malabarismos pseudomodernizadores dos espaços públicos representa o desaparecimento de referências estabelecidas com um território de onde foi retirado o simbolismo e baralhadas as marcas de coesão cívica.

A terceira é que, face às intervenções descaracterizadoras do seu chão vital, diante do que vêem e sentem como agressão e insulto, muitos portuenses estão a reagir negativamente a toda e qualquer transformação.

De facto, há que distinguir entre a importância da inovação e as mudanças incompetentes e inconsequentes, que nada têm a ver com o verdadeiro espírito do Porto, que nunca foi indiferente à modernização. Porque uma coisa é o irremediável de uma cidade perdida, outra é o remediável de requalificações recicláveis. Podemos sempre recuperar o que se estragou, o Palácio de Cristal é que nunca mais e, se a ponte Maria Pia cair, também não.

O importante é continuar a acreditar que o Porto é mais e melhor de que uma sucessão de intervenções que nunca conseguirão ser aceites pela opinião pública. A verdade é que não podemos cair na depressão de reduzir os problemas do Porto à intervenção nos pavimentos e passeios de umas quantas ruas, praças e jardins e não estabelecer um projecto global de desenvolvimento cultural, económico e social para o verdadeiro renascimento urbano.»
* Avenida dos Aliados e Praça da Liberdade...- acrescento eu.
(Em vez de estar subentendido devia estar antes a negrito... -acho eu)
Anteriores:

11.7.06

"Dever de prévia audição dos cidadãos"

A propósito da opinião aqui expressa pelo Dr. Levi Guerra sobre a oportunidade/necessidade de "plebiscito público" acerca da intervenção na "Avenida das Aliados e Praça da Liberdade", lembremos o que se diz sobre este assunto na Acção Administrativa Especial (intentada contra o Instituto Português do Património Arquitectónico -IPPAR, o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional -MAOTDR, o Município do Porto e a Metro do Porto S.A..).

«C -Não cumprimento do dever de prévia audição dos cidadãos, imposto na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (Lei da Acção Popular _ LAP)

104. Preceitua o art. 4.º/1 da LAP que "a decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional devem ser precedidos, na fase de instrução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões".

105. No n.º3 da mesma disposição, "são consideradas como obras públicas ou investimentos públicos com impacte relevante para efeitos deste artigo os que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que, sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área, quer sejam executados directamente por pessoas colectivas públicas quer por concessionários".

106. O custo global (incluindo despesas com projectistas) das obras planeadas pela Metro do Porto, SA para o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado ultrapassa a cifra de € 5 000 000,00.

107. De todo o modo, trata-se, seguramente, de uma intervenção urbana que influencia significativamente as condições de vida da população do Porto, como, de resto, é testemunhado pela alargada discussão pública informal que tem gerado . (...)

108. Importa não esquecer que aquilo de que se trata é, assumidamente, de uma intervenção que transforma radicalmente, na sua estrutura, fisionomia e conteúdo, um dos espaços públicos mais emblemáticos da cidade do Porto.

109. Não obstante, a Metro do Porto SA, infringindo o dever a que legalmente estava adstrita _ pois que o seu plano de intervenção naquele espaço municipal se subsume efectivamente na previsão do art. 4.º/1 da LAP _, não pôs em marcha o procedimento de audiência prévia previsto e regulado nos arts. 5.º a 10.º da LAP.»

Restará ser provado no Tribunal se sobre estas obras oportunistas devia ou não ter havido audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que foram afectados por aqueles planos ou decisões; se efectivamente o resultado do silêncio que nos quiseram impôr, foi uma violação da lei.
Saliente-se todavia que não precisamos do julgamento do tribunal para sentenciarmos quanto todo este projecto e processo evidencia de desdém e clamoroso desrespeito pela cidade e pelos portuenses.

9.7.06

Opinião # 39- "Foi assisada a obra de Siza no coração do Porto?"

Por Levi Guerra* n' O Primeiro de Janeiro- 9 de Julho de 2006
«Nunca pensei pronunciar-me sobre esta questão! Por muitas razões que me não obrigo a explicar. Aconteceu, porém, que ontem à tarde, uma tarde quente, luminosa e de céu sem nuvens, fui a Guimarães por razões culturais que também não especifico.

(...)
Nem só depois, mas logo que ao Toural assomámos, me vi a recordar a Avenida dos Aliados do querido Porto que é minha Terra de adopção desde a juventude. Dias atrás subira-a a pé, vindo da Casa de Guerra Junqueiro, onde assistira à abertura da belíssima exposição sobre Guilhermina Sugia, a caminho do Hospital da Lapa. Descida a escarpada e tumultuada Avenida da Ponte, passada a Praça de Almeida Garrett, frente à estação de S. Bento, dobrada a esquina para o passeio das Cardosas, atravessada a rua, vi-me na Praça da Liberdade onde se erige a estátua equestre de D. João IV (sic), felizmente ainda com cavalo e cavaleiro voltados para Lisboa, e estaquei, triste, frente ao velho Café Imperial com a monumental águia sobre a entrada, pouso das diárias tertúlias de intelectuais e professores de variadas proveniências citadinas, de encontros de comerciantes e industriais em acalorados palratórios, senão de grupos de bilhardeiros que diariamente despicavam o carambolar das três bolas – duas brancas e uma vermelha, de marfim ou de massa especial- movimentadas pelos golpes tecnicamente subtís dos tacos que as faziam correr sobre o pano verde que esconde a ardósia, os bilhares, sempre iluminados por dois candeeiros suprajacentes e a curta distância colocados.

Mas, logo me vi no início da Avenida dos Aliados. Passei para o meio dela, e vi-me, desolado, junto da marmórea ninfa desnudada e que sentada, de tronco ligeiramente encurvado com os braços a lateralizá-lo, de mãos apoiadas e seios descobertos, de olhar sereno e púdico, ali estava isolada, como que estranha e fora do natural ambiente em que ali, há quantas dezenas de anos?, fora colocada. E olhei para diante, para cima, no sentido do edifício da Câmara.

Sofri um baque no peito que quase me sufocou! Não queria crer no que via! Como fora tal possível?!!! Que houvera? Que temporal assolara a bela Avenida dos Aliados?!!! Se o Porto fora Berlim que arrasado se reconstruiu, vá lá! Mas nem em Berlim vi espaços recuperados ou reedificados, assim tão despidos e frios, como agora está a Avenida dos Aliados tornada praça de plúmbeo chão granítico a ligar artificialmente os outros espaços contíguos que ainda detêm o nome de praças, a de Humberto Delgado e a da Liberdade! Como é possível?! Como foi possível? Repetia, interpelando-me…

Não, não acho que estas decisões sobre questões patrimoniais desta grandeza e importância tenham de ser submetidas a plebiscito público (1), porque há valores que se tem de respeitar e que ninguém numa sociedade civilizada pode pôr em causa. Será alguma vez acto civilizacional pôr-se a plebiscito o direito à Vida?

O Jardim da Cordoaria foi, em 2001, outro exemplo. São atentados a um património identificável que ninguém tem o direito de destruir.
Património evidente e importantíssimo, de rostos antigos, criados e mantidos há dezenas de anos pelas gerações que nos precederam e que cumpre civilizacionalmente respeitar, gente sábia e sabedora, e cujos olhares se terão dulcificado, quantas vezes!, na beleza daqueles espaços de jardins prenhes de canteiros policromos a realçarem-se do verde dos relvados circundantes, sem se esquecer a beleza dos largos passeios que faziam da Avenida dos Aliados um local de calcorreio muito aprazível – como os que sabiamente restam em Guimarães . Tudo isto, no seu conjunto, fazia da Avenida dos Aliados a Sala Nobre da Cidade, a sua Sala de Visitas.


Álvaro Siza Vieira, é o maior Arquitecto português vivo, diz-se no “site” da Internet (Google). E diz-se mais, assim: …talvez o melhor arquitecto que o País jamais teve – cujas obras ao longo dos anos tem provado estarem entre as mais coerentes e completas de todas as grandes obras arquitecturais do Século XX. Esta coerência não é baseada na repetição estilística: assenta na evolução progressiva do acto de desenhar; como tal, o trabalho de Siza Vieira é imediatamente reconhecível onde quer que se encontre…Ele próprio diz de si: “o que é preciso e vejo na arquitectura é clareza e simplismo…”
Eu também admiro muito a obra arquitectural de Siza Vieira.


Se a Avenida dos Aliados nem tivesse história nem tivesse imprimido carácter àquela parte da Baixa do Porto que integra o seu núcleo histórico, tudo bem, seguisse ali Siza Vieira as suas aplaudidas e laureadas "vias da clareza e do simplismo" que eu, aliás, tanto aprecio nas edificações da sua autoria, sobretudo na área da museologia onde tem um mérito insuperável.
Lamento que Siza Vieira tenha aceitado mexer no que não era tocável. Lamento que tenha havido quem lhe tenha pedido que o fizesse. O grande arquitecto Siza não produziu, não! e não! e não!, obra assisada no coração do Porto. Restou desolação!

Lamento muito que não tenha sido mais senso e que, desde agora, passe a ver-se incluído na sua gloriosa obra de prestígio mundial, que tanto honra a nossa Pátria, tão lamentável desacerto cometido. Pelo menos sê-lo-á, por certo, penso, para muitos dos que conheceram a Avenida dos Aliados. Quando a memória se apagar, talvez venha quem por tal o enalteça. Siza Vieira é muito grande para ser negativamente tocado com o que aqui digo. Faço-o por império da minha cidadania, mais nada! Não para o desmerecer. »
*-Médico. Professor Universitário jubilado.

1- Comentário: Mas é justamente "porque há valores que se têm de respeitar e que ninguém numa sociedade civilizada pode pôr em causa" e para impedir os actos de quem não age em função desses valores (por interesse, incultura, incompetência etc.) que a lei prevê o "dever de prévia audição dos cidadãos" .

Outras opiniões

4.7.06

Frase # 36

«É trágico que o espaço público do Porto esteja refém de arquitectos guiados por uma ideia desvairada e obsessiva: a de que os canteiros floridos são incompatíveis com a modernidade.

Enquistados na sua bisonha auto-suficiência, deles não podemos esperar que algum dia abram os sentidos ao fascínio das flores; mas que a cidade seja por eles condenada à mesma cegueira é de um despotismo insuportável.»

Paulo Ventura Araújo aqui

2.7.06

Verde, vermelho, amarelo e cinza

Patriotismo futebolístico na Avenidados Aliados

(...há quem entenda que a destruição se justifica com espectáculos como este, ou para espectáculos como este...)

Opinião # 38- A destruição da Avenida dos Aliados

Rui Vaz Osório (in Público -Local 02.07.06)
«Quando se iniciaram as obras para a construção da estação do metro na Avenida dos Aliados, afirmou-se publicamente que tudo aquilo que estava a ser destruído iria ser totalmente reposto, com excepção de um ou outro "respiro" da estação, que poderia provocar alterações pontuais nos jardins. Os portuenses descansaram e eu, embora não percebesse lá muito bem o interesse de uma estação do metro naquele sítio, com a da Trindade logo acima e a de S. Bento logo abaixo, descansei também. (...)

O tempo foi passando e, a dada altura, começou a falar-se na "requalificação" da Avenida dos Aliados. Então, lembrando-me do que tinha acontecido com o jardim da Cordoaria, comecei mesmo a preocupar-me, para entrar em pânico quando vi o projecto publicado.
Seria verdade que aquilo era mesmo para fazer? Seria possível que a câmara aprovasse e impusesse aquele cinzentismo à cidade sem a esclarecer e consultar? A população seria tão abúlica que não esboçasse qualquer forma de protesto? E o Ippar, que tanto barulho tinha feito por meia dúzia de metros da boca de um túnel, iria ficar calado perante tal destruição no coração da cidade?

Entretanto as obras continuavam, os protestos que surgiram foram totalmente ignorados, e eu ia procurando consolar-me repetindo para mim mesmo:- Se calhar, sou eu que estou a ver mal o problema. É capaz de não ficar tão mal como parece! Só que, quando vi a obra completa, constatei que ainda tinha ficado pior do que eu imaginava.

Quando era jovem, assisti à destruição do Palácio de Cristal para se construir o Pavilhão dos Desportos (...). Ficou para a história, como autor desse crime, o então presidente da câmara coronel Licínio Presa. Julguei que, durante a minha vida, jamais iria presenciar outro atentado semelhante contra o património cultural e artístico da cidade. Enganei-me. Novo crime foi cometido, e a história julgará a câmara e o presidente que o consentiram.

Tantas vezes mostrei aquela bela avenida aos cientistas e amigos de vários países meus convidados para congressos, reuniões de trabalho e outros eventos realizados na minha cidade... E sempre eles saíram do Porto encantados com o que tinham visto! E, agora, o que é que eu faço? Vou mostrar aquilo? Palavra que me sinto tentado a levá-los até ao Cais de Gaia... »

Outras opiniões

Opinião # 37- A cidade cinzenta

por Alexandra Malheiro (in Público -Local 02.07.06)
«Desde sempre me habituei a chamar de "cidade cinzenta" à minha cidade natal. Caracterizado pelo granito e o nevoeiro, a cor cinza marca o rosto do Porto. Há, porém, uma luz coada pela névoa que é especial, aquecendo e animando os que nela residem. É este o Porto dos meus afectos.

Nos tempos que correm, esta asserção sobre o cinzento deixou de ser poética, passando a ser factual ou, se metafórica, não se refere à aura da névoa matutina, mas, antes, ao cinzentismo que acometeu a vida desta cidade, fruto da inépcia dos que a governam.


Agora, a cidade empardeceu de vez, com a sua "sala de visitas", os Aliados, transformada numa pista mate sem graça e sem verdura, alienada que foi a memória colectiva dos banquinhos vermelhos em torno dos canteiros e das noites de S. João, onde, de costas sobre a relva, se esperava o fogo-de-artifício. A beleza tão invulgar da calçada portuguesa substituída por paralelo! A avenida transformou-se num longo corredor cinzento e inóspito, onde não apetece permanecer, encimada por uma piscina demasiado pequena para saltos e feitos olímpicos e demasiado grande para tanque comunitário (...).
Tenho esperança de que um ou outro skater mais afoito passe a usar a avenida como pista de treino! (...)
Junto à câmara, qual reminiscência, permitiram ao Garrett que o debruasse um canteiro e, em vez de uma cascata, neste S. João, ficámos apenas com um santinho pequenino, ele próprio prestes a mergulhar numa piscina minimalista, assim o ajude o vento!

A avenida é, afinal, o verdadeiro retrato desta cidade de agora, a cidade cinzenta que vê morrer a sua cultura, a cidade que vê partir para a outra margem do Douro desde investimentos de monta ao campo de treinos do clube maior da terra, e se vê ameaçada de até a Feira do Livro mudar de armas e bagagens. Esta cidade que é cada vez mais silêncio, solidão e vazio. É esta cidade que, vergonhosamente, esqueceu o aniversário de morte de Eugénio, o seu maior amante e glosador! Nem um gesto, nem uma linha! Vergonhoso!
E em não havendo cascata... resta-nos partir para Gaia e ficar de lá a mirar a cidade descendo em socalcos até ao rio. "Ver-te assim abandonada/ nesse timbre pardacento..."»
Alexandra Malheiro
Outras opiniões